Jogos de apostas online já são um problema de saúde pública
Os jogos de apostas online, conhecidos como bets, já são um problema de saúde pública reconhecido por especialistas. Leia na coluna de Mariana Varella.
Businessman using smartphone against gambling app screen
O gosto dos brasileiros por jogos de azar não é novidade. No entanto, nunca se gastou tanto em apostas como agora. Entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros despenderam cerca de 68 bilhões de reais em apostas online, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
As novas modalidades de jogos de azar, como as bets esportivas, preocupam especialistas em adição, pois elas podem ser acessadas de qualquer lugar e a qualquer hora, basta ter um dispositivo eletrônico às mãos.
O problema não é exclusivo dos brasileiros. A revista científica “The Lancet” lançou um editorial alertando para o fato de que a adição em jogos constitui um problema de saúde pública.
A sensação de euforia ao apostar e a expectativa de ganhos rápidos ativam as mesmas áreas do cérebro envolvidas no vício em álcool e outras drogas.
De acordo com o periódico, os jogos são “uma ameaça à saúde pública negligenciada, pouco estudada e em expansão. O jogo não é uma simples atividade de lazer; é um comportamento viciante prejudicial à saúde. Os danos associados ao jogo são abrangentes, afetando não só a saúde e o bem-estar de um indivíduo, mas também seus bens materiais, relacionamentos, famílias e comunidades, com potenciais consequências para toda a vida e aprofundando as desigualdades sociais e de saúde”.
Jogos de apostas online
Elizabeth Carneiro, especialista em dependência clínica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da Clínica Espaço Clif, afirmou: “A máquina caça-níquel é uma das mais aditivas, porque o reforço é imediato. Você sabe se ganhou ou se perdeu imediatamente. A rapidez do reforço é o que determina o potencial de dependência. Agora, o que você tem é um caça-níquel ambulante, porque se não está rolando o jogo de futebol, está rolando o de vôlei. Então você pode jogar o dia todo”.
De fato, basta uma rápida pesquisa na internet para nos depararmos com uma infinidade de jogos online envolvendo apostas e dinheiro. Também há inúmeros relatos de parentes de jogadores afirmando que seus familiares contraíram dívidas impagáveis em apostas online.
O fato de os brasileiros se interessarem por esportes gera uma falsa sensação de controle nos jogadores online. No entanto, as apostas envolvem cálculos complexos e fatores aleatórios que fazem com que a indústria dos jogos online acumule bilhões de reais.
Bets no Brasil
Segundo o Itaú BBA, a estimativa da receita anual das bets varia entre 8 bilhões e 20 bilhões de reais. Estima-se que até um quarto do tráfego global de apostas esportivas venha do Brasil.
Para tentar mitigar o problema, em julho deste ano o Ministério da Fazenda publicou uma Portaria que regulamenta os jogos de aposta. A partir de janeiro de 2025, as empresas sediadas no Brasil deverão ser certificadas, adotar uma série de medidas, como o bloqueio do pagamento com cartão de crédito, e assumir a responsabilidade legal por suas publicidades.
Além disso, elas precisarão impedir o cadastro ou limitar o acesso de pessoas que tenham o diagnóstico de transtorno do jogo, bem como alertar os usuários sobre o risco de dependência. Em caso de indícios de adição, percebidos pelos dados de navegação, o jogador será suspenso ou até banido.
Como o vício em jogo afeta o cérebro
Além do aspecto financeiro, há também o impacto para a saúde mental e emocional. É comum, por exemplo, que essas pessoas já sofram de outras condições psiquiátricas concomitantes. “Algumas das comorbidades mais comuns incluem: transtornos de humor, como a depressão e o transtorno afetivo bipolar; transtornos de ansiedade muitas vezes exacerbados pelo estresse e pelas dificuldades financeiras associadas ao jogo; outros transtornos de dependência – como por álcool e drogas – que potencializam os efeitos negativos do jogo; o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) uma vez que a impulsividade e a dificuldade de concentração podem aumentar a predisposição ao vício em jogos de azar”, afirma Alaor Carlos de Oliveira Neto, Head do Serviço de Psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Será que estou viciado em jogos?
É comum entre quem já começou a aderir aos jogos online que haja essa dúvida. Oliveira Neto aponta os indícios que podem sugerir esse transtorno: “Os sinais mais claros de que o jogo se transformou em um problema de saúde é quando o indivíduo passa a apresentar impacto negativo no trabalho, nos estudos e nos relacionamentos interpessoais em decorrência do tempo dedicado ao jogo ou nas consequências deletérias de jogar”.
Tratamento
A prevenção é o melhor remédio e começa pela conscientização e pela busca de hábitos saudáveis que possam substituir o comportamento de risco. É importante procurar auxílio o mais cedo possível.
O tratamento dos jogadores patológicos consiste basicamente em psicoterapia, embora em alguns casos possa ser necessário o uso de medicamentos. O paciente deve passar por uma avaliação com um especialista em saúde mental para verificar se há outras condições psiquiátricas associadas, uma vez que dados indicam que na maioria dos casos de adição em jogos há outros transtornos psiquiátricos, como depressão, fobias, transtorno do pânico e dependência de algumas substâncias.
“Temos elementos para afirmar que 70% das pessoas que procuram e seguem o tratamento adequadamente se recuperam, o que é uma porcentagem considerável se comparada com outras situações psiquiátricas ou médicas”, finaliza o dr. Tavares.