Mondaí – No mês em que se celebra o Dia do Professor, o tributo vai muito além de flores e homenagens: é o reconhecimento a quem, com giz, cadernos e coração, ajudou a construir comunidades inteiras. Em tempos em que escolas multisseriadas reuniam crianças de várias idades em uma única sala, professores enfrentavam jornadas longas, recursos escassos e desafios diários, mas com uma vocação que ultrapassava qualquer obstáculo. Seis educadores de Mondaí e região compartilharam suas memórias — verdadeiros retratos vivos da história da educação.
As vozes de Hédio, Renata, Darcila, Solange, Renata Müller e Lídia ecoam como um tributo aos milhares de educadores anônimos que moldaram o futuro com paciência, sacrifício e esperança. Porque ensinar, como bem provaram eles, é deixar marcas que nem o tempo apaga.
Um destino traçado entre livros e vocação – o relato de Hédio José Rech
Aos 91 anos, Hédio José Rech ainda fala da educação com brilho nos olhos. Filho de agricultores, ele sonhava em ser padre e chegou a estudar filosofia no Seminário de Gravataí. Mas, como ele mesmo brinca, “foi quando se perdeu um padre e se ganhou um professor”. O motivo? Um simples olhar de uma moça, de vestido florido, mudou o rumo de sua vida.
Em 1960, foi convidado por um irmão Lassalista para dar aulas em Cunha Porã. Pouco tempo depois, transferiu-se para a comunidade de Catres, em Mondaí, onde, além de ensinar, assumia papéis que iam muito além da sala de aula: realizava celebrações religiosas, conduzia velórios e enterros e chegou a ser presidente da comunidade, liderando a construção de uma nova igreja.
Efetivado no magistério estadual após concluir os estudos, seguiu aprimorando-se, cursando o magistério em São Miguel do Oeste e, mais tarde, o ensino superior em Erechim. Hédio também participou ativamente da emancipação político-administrativa de Riqueza, sendo o autor do projeto que deu origem ao município e seu primeiro secretário de Educação. “Foram 35 anos dedicados à educação. Eu me sinto plenamente realizado”, afirma com serenidade o professor que, além de ensinar, ajudou a construir uma história de fé, civismo e compromisso com o desenvolvimento da região.
Renata Campos: a menina de 16 anos que virou professora
Com apenas 16 anos, Renata Campos iniciou sua trajetória docente em 1967, na recém-inaugurada escola da comunidade de Alta Tempestade. Jovem e inexperiente, mas corajosa, assumiu o desafio de ensinar turmas cheias e animadas. “Naquele tempo, os alunos obedeciam. O professor era autoridade na comunidade”, relembra. Foram poucos anos na docência antes de casar-se e dedicar-se à família e ao trabalho no hospital, mas as lembranças permanecem vivas: os rostos atentos, o respeito e o carinho dos alunos. “Até hoje, quando encontro algum ex-aluno, eles vêm me abraçar. Isso é gratificante.”
Darcila Disegna: coragem de menina e coração de professora
Aos 15 anos, Darcila Disegna recebeu o chamado para dar aulas na La. Pirapó, Iporã do Oeste, então pertencente a Mondaí. Ia a cavalo todos os dias, percorrendo sete quilômetros para participar das reuniões pedagógicas em Mondaí. “Naquele tempo, o professor era o líder da comunidade. Era respeitado e querido”, conta.
Ao longo de 30 anos de carreira, Darcila lecionou em diversas comunidades — Encantado, Linha Pavão, Anta Gorda Alta — sempre com o mesmo amor e compromisso. Recorda-se com ternura de um inverno rigoroso, quando um aluno chegou à escola de chinelos e tremendo de frio. “Eu tirei meu casaco e dei para ele. Era o que eu podia fazer.”
Para ela, ser professora era mais do que ensinar: era cuidar. “A gente tinha que gostar do que fazia. Eu adorava o meu trabalho. Foram tempos difíceis, mas cheios de amor.”
Solange Wandscheer: o dom de ensinar com carinho
Formada no Colégio Santíssima Trindade, em Cruz Alta, Solange Wanscheer começou a lecionar em Vicente Dutra e, logo depois, em Mondaí, onde construiu sua vida profissional e pessoal. Foram 30 anos dedicados à alfabetização, especialmente na Escola Delminda Silveira, onde ensinava a primeira série. “Era tudo feito com carinho. Cada criança era um mundo a ser descoberto”, conta. Entre risadas e lembranças, recorda situações curiosas, como as revisões diárias contra piolhos, comuns na época, e as receitas que entregava aos alunos para levarem às mães.
Mas o que mais a marcou foram os vínculos afetivos criados: “Teve um aluno que não queria passar para a segunda série porque não queria me deixar. É gratificante ver o quanto o amor e a atenção faziam diferença.”
Renata Müller: uma vida entre lições, cadernos e lembranças
Nascida em 1941, Renata Müller cresceu em meio à rotina escolar. Ainda na terceira série, já substituía professores. Após concluir o curso Normal Regional, iniciou sua carreira oficialmente, permanecendo na profissão por 25 anos, entre o magistério e a função de auxiliar de direção.
Entre suas memórias mais vívidas, está o episódio com o filho Mauro, um de seus alunos na primeira série. “Um dia ele não ganhou a estrelinha no caderno e me deu um tapinha, dizendo: ‘mãe, eu não ganhei estrelinha’. Eu expliquei que ele precisava caprichar mais. Foi uma lição para os dois”, recorda, com emoção e saudade. Renata também lembra do rigor e da disciplina dos tempos de formação: “Tive que escrever a fórmula da área do retângulo três mil vezes. Nunca mais esqueci.”
Lídia Lehmann Morgenstern: de menina sonhadora à professora de gerações
Natural de Iraí (RS), Lídia Lehmann Morgenstern sempre soube que queria ser professora. Fugindo da lida na roça, sonhava com o quadro e o giz. Formou-se no curso Normal Regional de Mondaí e iniciou a carreira em Alta Riqueza, onde dava aula para turmas multisseriadas, acumulando funções de merendeira e faxineira. “Naquele tempo, a gente fazia de tudo. E os alunos ajudavam. Era muito bom, a comunidade valorizava o professor”, lembra.
Durante 30 anos, Lídia alfabetizou gerações e assumiu cargos administrativos, como auxiliar de direção e secretária escolar. Hoje, ao caminhar pelas ruas, é constantemente reconhecida: “Eles me chamam de ‘profe’. Isso não tem preço. É a maior recompensa.”

